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Uma lembrança vívida que tenho da minha infância é esse quadro com uma serigrafia de John Lennon acompanhado de um trecho da letra da música Imagine pendurado na parede da sala, direto no reboco, antes mesmo de termos condições de pintá-la. A peça decorativa estava lá todos os dias, ao alcance dos meus olhos curiosos, aquele rapaz cabeludinho, simpático, de oclinho redondo me sugerindo imaginar um mundo melhor. Mesmo sem compreender completamente seu significado, a simples presença daquela figura era reconfortante, estimulava minha imaginação infantil, e com a passagem dos anos, pensar nela me lembra constantemente dos ideais que transcendem o tempo e também me lembra religião.
Tudo é possível dentro da nossa imaginação, até mesmo um mundo sem países, religião ou fome e John talvez estivesse ali em casa como uma figura meio de Messias. Tínhamos mais decoração dos Beatles do que imagens religiosas. Também tínhamos um quadro de Jesus talhado em madeira na parede, eu sabia diferenciar os dois pois Jesus não usa óculos, e não escreveu Imagine. Mas ambos sempre estavam descalços nas poucas fotos em que eu tinha acesso. Eles se dariam bem, eu acho. Graças a isso e aos discos com os quais eu não podia brincar, mas que formavam uma trilha sonora na minha pequena vida, levando-me a lugares distantes sem sair do lugar, Beatles sempre esteve num patamar de divindade para mim, psicologicamente falando.
Segui minha vida consumindo esporadicamente, sem questionar, não fui atrás de saber muito a fundo sobre a vida pessoal dos integrantes, cultivei o gosto pelas músicas como uma lembrança valiosa em relação ao meu pai, que não está mais aqui. Mas tudo mudou dia desses, quando assistindo à 8 longas horas da série documental Get Back senti pela primeira vez que aqueles caras, daquela banda que me acompanhou por toda vida não eram nada entidades espirituais, sequer eram grandes e inseparáveis amigos perfeitos. Eles eram, pasmem, humanos com conflitos e com um emprego que desempenhavam muito bem por sinal. Mas que com o passar do tempo, como tudo, acabou acabando.
Quando vi o Paul ao vivo, em sua recente vinda ao Brasil pude confirmar a suspeita que mesmo em sua infinita genialidade ele ainda é de carne e osso, ser humano que nem eu, e a emoção de vê-lo no palco, cantando clássicos que marcaram gerações, trouxe à tona a realidade de que por trás da lenda dos Beatles existe um ser humano comum, com histórias, alegrias e desafios. Essa revelação não diminui a importância do seu trabalho, pelo contrário, torna-a ainda mais palpável e inspiradora. Sir. McCartney personifica a ideia de que a genialidade está ao alcance de todos, sendo a essência humana o verdadeiro fio condutor da arte.
Humanizar os reis do iê iê iê rompeu com a ideia de perfeição intangível e me aproximou do que eles realmente são, visto que agora sei que compartilhamos emoções e imperfeições. E tudo bem que os ídolos não sejam perfeitos. Suas vidas, seus valores e lutas pessoais se tornam mais reais. Até seus conflitos entre si agora são similares aos meus e aos seus.
A conexão com os artistas, quando os vemos como pessoas “comuns“ tem o poder de não apenas ser muito mais autêntica como também de nos elevar a um patamar de divindade quando consumimos aquilo que foi pensado e realizado por alguém com tanta conexão conosco. Sabe quando uma música parece ter sido feita para você? Vamos pensar que somos tão especiais por nos identificar com ela do que o artista é por fazer, afinal eles estão onde estão porque fãs existem e consomem seu conteúdo.
Hoje posso lembrar do John na parede das minhas lembranças com um olhar positivo e carinhoso de quem me ensinou muita coisa. Olhar para frente com a certeza que a vida das pessoas famosas que admiramos, exceto pela fama e pelas diferenças sociais que nos separam, claro, pode não ser tão diferente das nossas em termos existenciais como angústias emoções e sentimentos. E acreditar que podemos criar um mundo melhor onde possamos falhar e essa falha seja vista como um sinal de humanidade, não de desvalorização e cancelamentos.
Imagine que não existe paraíso, é fácil se você tentar. E um lembrete importante: por via das dúvidas, nunca conheça seus ídolos. Dá maior trabalhão separar o artista da obra, mas sobre isso a gente conversa um outro dia, quem sabe.
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