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Hoje vou te contar sobre: o dia em que eu topei ir numa trilha
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Não sou a pessoa mais aventureira que existe. Aliás, sou bem medrosa, tenho pavor de altura, por exemplo. Um medinho chato mas que tantas vezes já me deixou no sufoco até para coisas bobas como descer escadas muito íngremes ou andar em elevadores de vidro. É por isso que de modo geral vivo minha vida, tentando aproveitar as oportunidades na medida do possível, mas evitando situações de risco, assim digamos.
Dia desses assisti Free Solo (2018), documentário que venceu o Oscar no ano seguinte ao seu lançamento e que registra o processo do escalador mais bem-sucedido do mundo, Alex Honnold, se preparando mentalmente e fisicamente para subir um paredão de 975 metros em Yosemite, sem qualquer equipamento de proteção, feito nunca antes realizado por alguém.
Uma escolha incomum de filme, visto que também jamais me interessei por qualquer tipo de esporte radical. O que realmente me chamou atenção no enredo foi a forma como Alex escolheu levar a vida, priorizando fazer o que ama e como estar frequentemente correndo risco de morte afeta suas relações e sua perspectiva sobre a existência diante de tudo que faz. Foi inspirador, não o bastante para me fazer querer sair por aí fazendo igual, mas bastante inspirador.
Eis que não temos nenhum controle da nossa vida, controle é uma grande ilusão. E como a vida é irônica, calhou de em certo final de semana recente surgir um convite inusitado para uma trilha. Me pareceu uma boa oportunidade de aproveitar o dia, fazer algo diferente, curtir a natureza e tal. Lugar lindo, ótimas companhias, até que de repente, não mais que de repente, descobri que para dar continuidade ao passeio seria necessário descer um paredão de 70 metros de altura, pendurada a corda, sem qualquer pessoa mais habilitada que eu me carregando, e tive a certeza absoluta que ia morrer ali, antes mesmo de tentar.
Gritos internos, suor de pânico, leve tremedeira por alguns minutos, enquanto outras pessoas iam na minha frente, até eu finalmente pensar: “ok, eu posso fazer isso, se é a única opção”. Me disseram que o equipamento era seguro, que haveria um guia lá embaixo para me auxiliar em caso de resgate e especialmente que o segredo estava na forma de segurar a corda, que não se pode soltar de maneira alguma, que para dar certo só dependia de mim, como se essa fosse uma sentença confortante e não extremamente desesperadora.
Logo mais eu já estava literalmente nas minhas próprias mãos, descendo lentamente de olhos bem fechados, fingindo não ouvir as abelhas ao meu redor ou os pequenos pedaços de cascalho caindo na minha cabeça à medida que a corda encostava em algum lugar lá em cima.
Desejei que fosse rápido, que eu pudesse dissociar da realidade e fingir que não estava acontecendo até finalmente pisar em terra firme de novo. Foi então que em algum momento após os primeiros metros, um lapso de coragem me permitiu abrir os olhos, observar primeiro a mim mesma, entender o que estava fazendo, me situar, e então tentar lentamente fitar as laterais num ângulo de 360º, contemplando as paredes imensas da Dolina dos Maracanãs ao meu redor, vislumbrando as samambaias pré-históricas que nascem nas lacunas entre as pedras numa altura inimaginável.
Quando os demais sentidos foram se desbloqueando, pude ouvir o canto dos pássaros e me perceber cada vez mais perto da copa das árvores imensas. A essa altura eu já não tinha mais pressa de acabar, queria agora que tudo acontecesse em câmera lenta e dediquei o tempo que restava a registrar com as minhas retinas uma memória visual de toda aquela transformação que estava me acontecendo de fora para dentro.
Pisei no chão minutos depois, ainda sem acreditar no que tinha feito. Sem saber se estava mais maravilhada com a experiência em si ou em vencer meu grande medo. Recebi parabéns por ter ido bem e sorri absorta ao perceber que mesmo duvidando de mim mesma eu havia tido quem acreditou em mim e me encorajou a fazer o que eu era capaz o tempo todo, mesmo sem saber.
É importante confiar em nós, e mais ainda ter por perto quem faça o mesmo. Eu não conseguiria sem uma boa corda, nem sem um bom suporte emocional. Vencer um desafio nos prepara para enfrentar todos os outros que vierem a surgir no futuro, seja no mato ou no escritório. E ninguém pode fazer isso por nós, senão nós mesmos. De repente os paredões diários não parecem mais tão imensos olhando de perto, e agora eu sei que no rapel não se solta a mão da corda, assim como na vida não se solta a mão de ninguém, especialmente a nossa própria.
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Me fez lembrar de "Medo de Avião". "Agora ficou fácil / todo mundo compreende / aquele toque Beatle / I wanna hold your hand". Excelente texto! Adorei.